sábado, 18 de janeiro de 2014

A metade que importa



METADE


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca; 
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe;
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta 
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...


Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso 
Mas a outra metade é um vulcão...


Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria 
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...


Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...


E que a minha loucura seja perdoada 
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

(Oswaldo Montenegro)


FELIZ ANO NOVO



Ano Novo – Vida Nova? Espera-se que SIM...


Sempre que os fogos explodem no céu do passado, parece que, instantaneamente, tudo se faz novo (de novo). O tempo realmente é uma brilhante invenção para que não enlouqueçamos, para que possamos planejar e tenhamos a oportunidade de alimentar a ilusão de viver...

Emagrecer, concluir aqueles estudos, achar um amor, mudar de emprego, começar a adotar hábitos saudáveis, ler mais, ter mais tempo (olha ele de novo aqui, implacável) para nós mesmos. Muitos são os planos, muitas são as expectativas, tantas são as metas, mas muitas também são as vezes em que tudo só dura os próximos 365 dias, dias necessários para que possamos começar de novo.

É bem verdade que existem os disciplinados, que, a cada período ou meta atingida, apressam-se em traçar outros novos objetivos. O importante é não deixar a oportunidade de sempre sentir esperança no novo passar. Parece que esse é o verdadeiro espírito das viradas...

A seguir, algumas palavras de Mário Quintana sobre a virada do ano:

“No ano passado...

Já repararam como é bom dizer ´o ano passado´? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem... Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse ´tudo´ se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
´Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados´.

Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.

Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.”